segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Estou revoltada!!!

Celeiro de feras
Com dados estarrecedores, censo mostra que
os presos brasileiros são tratados feito animais
Vladimir Netto
O novo censo penitenciário do Brasil é um calhamaço de péssimas notícias. O levantamento mostra que o país tem hoje quase 150 000 presos, 15% a mais do que em 1994, ano em que foi feita a primeira pesquisa. Constata que a massa de encarcerados cresce ao ritmo de um preso a cada trinta minutos. E revela que a Aids está proliferando entre os detentos com a rapidez de uma peste. O dilema da superlotação também se agravou. Há dois anos, faltaram 59 000 vagas e, agora, o déficit cresceu mais 20%. Só para atenuar o problema, seria preciso construir 145 novos presídios, a um custo de 1,7 bilhão de reais. A situação é tal que as prisões do país já são comparadas às piores da América do Sul, como as da Bolívia e do Paraguai. Na esfera mundial, já rivalizam com o sistema carcerário de países como Burundi, Camarões e Gâmbia, na África. Conclusão: o colapso total do sistema está muito mais próximo do que se imaginava.
“O sistema penitenciário do país exauriu-se”, diz Paulo Tonet Camargo, do Ministério da Justiça, responsável pelo censo. Esgotado, o sistema não é apenas cruel, mas também manda sinais de que está muito doente. Um estudo conjunto dos ministérios da Justiça e da Saúde apontou que a Aids já atinge entre 10% e 20% dos presos. É um número tão assustadoramente alto que o governo evita divulgá-lo para não provocar rebeliões. Só para ter uma idéia da gravidade desses números, entre a população homossexual há um índice de infecção de apenas 0,25%. No Estado de São Paulo, o recordista nacional em incidência de Aids, há 1 caso por 1 000 habitantes. Os números da Aids nos presídios não estão computados nas estatísticas oficiais da doença. Se estivessem, o Brasil, que hoje se reveza no terceiro lugar do ranking mundial da doença com países africanos, ocuparia em definitivo o segundo lugar, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, onde existem mais de 450 000 doentes.
Examinando-se os dados do censo, é possível extrair um retrato sócio-econômico do crime no país. Os Estados do Norte, como o Amazonas, apresentam a maior incidência de presos por tráfico de drogas, num sinal de que ali está a porta de entrada dos traficantes. Já no Nordeste e no Centro-Oeste, a maioria das prisões ocorre por assassinato. No Sul e no Sudeste, onde estão concentrados os melhores níveis de renda, os crimes mais comuns são os assaltos e os furtos. Quarenta e oito por cento dos seqüestradores presos estão no Rio de Janeiro. São Paulo é a cidade que tem mais presos em relação ao número de habitantes e também a pior situação carcerária. São 174 para cada grupo de 100 000 pessoas, amontoados em penitenciárias e delegacias. Alagoas, por outro lado, tem apenas dezessete presos para cada grupo de 100 000 habitantes. Mas essa taxa reduzida, ao contrário de ser animadora, apenas reflete a impunidade que prevalece no Estado. Mais da metade dos presos alagoanos são homicidas.
O Rio Grande do Sul é que reúne as melhores condições carcerárias. Lá, ao contrário do restante do país, não há presos em situação irregular. O censo também quebra alguns mitos: 54% dos presos são brancos, 27,5% mulatos e 18,5% negros. Os homens representam a quase totalidade da massa — 95,5% —, e a maioria cumpre pena por assalto, furto e tráfico de drogas. O preso brasileiro é um dos mais baratos do mundo. Cada um dos detentos custa, em média, 4 300 reais por ano. Nos Estados Unidos, gasta-se seis vezes mais e, na Suécia, são despendidos 61 000 dólares por preso.

Situação catastrófica — O problema penitenciário do Brasil é tão grave que toda essa situação catastrófica é traçada sem se computar aquelas pessoas que foram condenadas e, por alguma razão, não estão presas. Seriam mais de 100 000 novos detentos. Hoje, já existem 50 000 confinados irregularmente em celas de delegacias e cadeias públicas. A construção de penitenciárias, além do custo muito elevado, é um sistema comprovadamente ineficaz. Muitos países têm adotado o sistema de penas alternativas. Em vez de mandar o sujeito para a cadeia, pune-se de outra forma. Nesse sistema, um sujeito que cometeu lesão corporal num momento de emoção causado por uma briga, por exemplo, não precisa apodrecer numa cadeia superlotada, na qual será provavelmente estuprado e de onde sairá pior do que entrou.
A lei brasileira autoriza a aplicação de somente três tipos de pena alternativa. Uma pessoa condenada a até um ano de prisão, em vez de ir para a cadeia, pode prestar serviços à comunidade, tendo o final de semana controlado e restrição de alguns direitos. No Brasil, porém, a Justiça ainda é conservadora nesse aspecto. Apenas 1,2% dos condenados em todo o país já receberam esse tipo de pena. Na Alemanha, esse índice chega a 98%. Não se entende como as autoridades responsáveis por essa situação deixaram a selvageria carcerária ir piorando sempre no Brasil. Talvez se explique o desleixo dessas autoridades pelo fato de que elas nunca precisam dormir uma noite na cadeia, em companhia daquela gente mal-encarada.
Agora, finalmente se começou a trabalhar para melhorar a situação. O governo está concluindo um projeto que amplia para dezenove os tipos de pena alternativa e aumenta a possibilidade de sua aplicação para condenações até quatro anos. Os técnicos acreditam que só isso já retiraria das penitenciárias de imediato um batalhão de cerca de 44 000 presos, que poderiam estar prestando serviços à comunidade. No Ministério da Justiça, sete presos trabalham o dia inteiro como qualquer outro servidor. Um deles, José Ideli de Madeiros, 27 anos, condenado a 37 anos de cadeia por latrocínio, mas preso de bom comportamento, é uma espécie de office-boy do gabinete do secretário executivo do ministério, Milton Seligman. Ideli freqüentemente entra na sala do ministro Jobim para entregar documentos. “Só botar na cadeia não resolve”, diz Jobim. “Aqui eu posso provar que o preconceito não tem fundamento.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário